Em seu primeiro discurso no cargo, Trump declarou emergência nacional da fronteira Sul dos EUA, anunciou a mobilização das Forças Armadas ao local e disse que retomará a política "fique no México", lançada durante seu primeiro mandato. Os decretos devem ser assinados já nesta tarde.
— As Forças Armadas serão enviadas para as fronteiras do sul para impedir essa invasão monstruosa que está acontecendo em nosso país hoje — declarou. — Como comandante-em-chefe, tenho essa grande responsabilidade de proteger nosso país contra invasões, e é isso que eu vou fazer. Vamos fazer isso em um nível que nunca foi feito.
O republicano também anunciou que designará os cartéis mexicanos como organizações terroristas e invocará a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, medida usada apenas três vezes na História, todas durante períodos de guerras conflagradas. Se for levada a cabo, a legislação servirá como a bala de prata de seu plano de deportação em massa, já que permite a detenção e expulsão arbitrária de pessoas com base apenas na sua origem, sem passar por um juiz de imigração. No passado, a medida foi responsável por deportar dezenas de milhares de imigrantes e seus familiares nascidos nos EUA, além de jogar 37 mil em campos de concentração.
— De acordo com as ordens que assinei hoje, também designaremos os cartéis como organizações terroristas estrangeiras. E, invocando a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, instruirei nosso governo a usar todo o imenso poder das forças policiais federais e estaduais para eliminar a presença de todas as gangues estrangeiras e redes criminosas que trazem crimes devastadores para nós, solo, incluindo nossas cidades e centros urbanos — anunciou nesta segunda.
Imigrantes com ficha criminal
Nomeado por Trump como "czar da fronteira", Tom Homan, ex-diretor da agência de Imigração e Fiscalização Aduaneira dos EUA (ICE, em inglês), afirmou que o governo focará primeiro em imigrantes sem documentos fichados pela Justiça. De acordo com uma carta enviada pelo ICE ao Congresso em 2021, há 662 mil nesta situação, sendo que 435 mil deles já cumprem pena e serão deportados assim que deixarem a prisão.
Apenas no ano fiscal de 2023, 21,5 mil estrangeiros receberam sentenças da Justiça federal americana, 93% latinos, segundo o Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA. A esmagadora maioria cumpre pena em presídios localizados em estados fronteiriços, como Texas, Arizona, Novo México e Califórnia.
O perfil do grupo dá indícios de quais imigrantes devem estar na mira do novo governo. Mexicanos correspondem a 67% dos estrangeiros detidos no ano retrasado, enquanto cidadãos de outros países com imigração proeminente, como Honduras (7,4%), Guatemala (5,4%) e El Salvador (3,7%), não chegam a 10%. Os dados sobre brasileiros não foram divulgados pelo governo americano e se somam à categoria "outras nacionalidades" (12,6%). A maioria dos detidos enfrenta penas por violações migratórias (72,3%), seguido por envolvimento com tráfico de drogas (16,7%).
Asilo humanitário em risco
Na lista de prioridades do ICE estão também cerca de 1,4 milhões de imigrantes que já tiveram seus recursos para regularizar o status esgotados nas cortes migratórias, receberam ordens para deixar o país e ainda não o fizeram. No entanto, dados da agência de imigração mostram que quase metade deste grupo não pode ser expulsa. Alguns foram autorizados pelo próprio ICE para continuar nos EUA pois seus países não os aceitarão de volta ou eles correm risco de perseguição. Outros são blindados por determinação de um tribunal, como acontece, por exemplo, com muitos imigrantes que já estão estabelecidos há mais de 10 anos.
Também devem ser alvos prioritários os milhões que cruzaram a fronteira americana no boom migratório do governo de Joe Biden (2021-2025), sobretudo a partir de maio de 2023, quando o governo democrata suspendeu o Título 42 — medida imposta por Trump no início da pandemia que permitiu expulsar mais de 2 milhões de imigrantes indocumentados devido à emergência sanitária.
De acordo com estimativas do Instituto de Política Migratória de julho de 2024, há 5,8 milhões de migrantes que ingressaram em território americano durante a gestão Biden com permissões provisórias enquanto aguardam o andamento de requisições de visto ou asilo humanitário.
Neste grupo, há milhares de imigrantes esperando há anos suas audiências. Sem status regular, eles precisam fornecer seus dados, se apresentar periodicamente à agência de imigração (ICE) e, em alguns casos, usar tornozeleira eletrônica.
Há também o 1,1 milhão que chegou ao país sob Biden e recebeu "status de proteção temporária" por ser de um país considerado de risco, como Venezuela, El Salvador, Ucrânia e Sudão — juntas, as quatro nações correspondem a 80% do total de permissões do tipo, sendo 600 mil apenas de venezuelanos.
No apagar das luzes de deixar a Casa Branca, Biden anunciou a extensão por 18 meses do período de vigência do status temporário para imigrantes desses quatro países, valendo até outubro de 2026. Mas se quiser, Trump pode não renovar a permissão e aumentar ainda mais a sua lista de deportáveis.
Abordagem na fronteira
Com o Senado e a Câmara com maioria republicana, é possível que Trump e seus aliados consigam readaptar medidas do primeiro mandato que, como a Título 42, assegurando a chamada "remoção acelerada" daqueles que cruzarem sem documentos a fronteira. Uma delas seria a "Fique no México", política adotada em dezembro de 20218 que permitiu que requerentes de asilo nos EUA aguardassem o andamento dos seus pedidos no vizinho.
Nesse aspecto, o ranking de nacionalidades que mais atravessaram a fronteira de modo irregular também aponta a mira para latino-americanos, segundo dados oficiais. De maio de 2023 a setembro de 2024, quando os EUA bateram recorde de apreensões na fronteira na esteira da suspensão do Título 42, os mexicanos lideraram a lista de cruzamentos irregulares (695 mil), seguidos pelos guatemaltecos (311 mil) e venezuelanos (263 mil). Completam o topo cidadãos de Honduras (217 mil), Equador (165 mil) e Colômbia (159 mil), com o Brasil em 11°, com 39 mil apreensões.
Hoje, há um grande número de imigrantes "deportáveis" que não estão no controle do ICE por não ter sido pego pelos guardas da fronteira ou outra autoridade ao ingressar no país. Uma nova política de deportação rápida afetaria diferentemente recém-chegados.
Outro grupo vulnerável, mas em menor gravidade, são os chamados "dreamers" ("sonhadores", em tradução livre), beneficiados por uma política do governo Barack Obama (2009-2017) conhecida como DACA. A medida garantiu permissão de permanência a imigrantes que foram trazidos aos EUA quando criança, cresceram no país e não têm antecedentes criminais. Hoje, o programa não aceita mais novos candidatos, mas o governo Biden permitiu renovações. Em setembro de 2023, um juiz distrital considerou a política ilegal. Apesar do custo político, não seria do todo improvável que o programa seja descontinuado.
Fonte: O Globo